3º Capítulo

A Anunciação




Ele está sentado no sítio do costume e olha lá para fora, para as luzes da cidade. Costuma ir para ali nas noites que não consegue dormir, mais vezes do que Ele próprio gostaria de admitir. É uma espelunca aberta 24 horas onde só lá vai a escumalha da sociedade, e Ele. A TV estava sempre ligada, sem som, no canal televendas.
O cinzeiro transborda de beatas, sente a boca amarga e a garganta arranhada do tabaco. Naquele momento tudo era preferível ao sabor a sangue com que acordara. Inspira profundamente, inalando o fumo e o cheiro a mijo que por ali emanava, dava-Lhe algum conforto e segurança aquele fedor, quando sentiu a mão de Natanael pousada no ombro, que divertidamente o cumprimenta com:
A cheirar as Rosas? Até a merda cheira melhor que este sítio…
Sentando-se à sua frente.
Se não gostas põe-te daqui para fora!
Resmunga a empregada que está nos seus 50 e tal anos e que usa umas meias de rede por baixo de uma saia demasiado curta para o bem dos clientes.
Calma, calma.
Diz Natanael olhando-a de cima a baixo fingindo sentir um calafrio.
Trás lá uma garrafa do melhor whisky que tiverem, aqui o meu amigo faz anos.
Só temos uma qualidade, já têm sorte se os copos vierem lavados.
Volta-se para o balcão para ir buscar o whisky.
Ah, parabéns.
Diz olhando para Ele por cima do ombro.
Paneleiros do raio, só me aparecem aqui é filhos da mãe…
Resmunga entre dentes enquanto se afasta.
Ele nem ouviu nada, não conseguia esquecer a cara da mulher que aparece no Seu sonho, amava-a. Ele sabia isso, mas só e unicamente a tinha visto em sonhos, naquele pesadelo que O atormentou toda a Sua vida. Lutava para não se desfazer em lágrimas à frente do amigo, da empregada e de um par de bêbados que discutiam o misticismo por trás da passagem de um tal cometa.
Então meu 33?Estás acabado.
Natanael trá-Lo de volta do torpor com uma palmada no cotovelo e uma gargalhada. Ele levanta o copo quase vazio de whisky que tinha estado a bebericar antes de Nat chegar e como se fizesse um brinde no ar acrescenta:
Ya, podes querer!
Soltando um esgar mais ou menos parecido com um sorriso.
O mesmo pesadelo outra vez? Deixaste de ir às consultas a Cloé diz que nunca mais te viu lá na clínica.
Olha, por falar na Cloé… Ela não se importa que venhas ter comigo a estas horas e a deixes sozinha em casa com o Rafael?
Foda-se, não mudes de assunto e…
Nat pensa por um segundo.
Não, não se importa, acho eu…
Faz outra pausa e muda de assunto.
Olha demorei mais tempo porque passei na casa do Rute, o gajo vêm aí e trás surpresa.
Já há bué que não vejo esse cabrão.
Acrescenta Ele abanando a cabeça afirmativamente.
Ya, pois, ele agora tem uma namorada nova e tal.
Nat levanta as sobrancelhas e faz uma cara como se não compreendesse a atitude do velho amigo Rute.
Tens a visto? (“tem-la visto” é a forma correcta, mas não é assim que se fala vulgarmente)
Diz Ele do nada enquanto termina o resto do whisky olhando para o Seu reflexo no vidro da montra.
Quem? O quê?
Sabes bem de quem estou a falar não te faças de parvo.
Diz Ele um pouco irritado. Da porta ouvem a voz de Rute:
Há coisas que não mudam, estas duas putas relongueiras continuam aqui onde as deixei da última vez.
Ele e Nat olham para a entrada e vêem Rute e Phil que se dirigem para eles. Rute que vem à frente diz-lhes:
Tinha esta porca lá em casa hospedada e tive de a trazer. – Apontando para Phil.
Ya, cheguei ontem, vim para fazer uma surpresa aqui ao maricas… – Dando-Lhe um soco no ombro. – E também porque queria convidar a malta para uma cena amanhã. – Acrescenta Phil quando se senta a Seu lado.
Os quatro amigos mergulham na conversa animada quando a empregada chega com a garrafa de whisky e um copo, voltando para o bar a resmungar porque tinha de ir buscar mais dois copos. Na mesa contavam-se estórias de quem não se via há quase um ano, Ele fingia rir e participar, de vez em quando olhava para o seu reflexo no vidro da montra ao seu lado. Phil reparou nisso várias vezes e por várias vezes teve vontade de lhe perguntar o que se passava, mas voltava logo de seguida ás estórias da sua aventura no estrageiro.

Os quatro estavam sentados num muro junto ao rio a beber cerveja e a contemplar o céu a ficar mais claro à medida que o sol nascia. No céu já só se via a estrela de Vénus e o tal cometa que se falava nas notícias.
Nat quebra o silêncio:
Fogo vais casar! – Limpando a cerveja que lhe corre queixo abaixo por ter falado de boca cheia no ombro da t-shirt da rua sésamo que trás vestida.
Ya, não sei qual é a tua porque tu também já casaste.
Atira Phil, acompanhando a afirmação com um manguito.
Maravilhoso… – Sussurra Ele. Os outros voltam as cabeças para o olharem.
Foda-se, é altamente! – Diz desta vez mais alto, como se tivesse tido uma ideia brilhante. Os amigos olham para Ele como se tivesse soltado um peido.
Sim! – Salta do muro para o chão abre os braços para o ar e grita:
FELICIDADES AMIGO JAEL PHILISTINE . – E uiva.
Nat e Rute saltam também para o chão e de braços no ar começam também a uivar, Phil quase cai do muro a rir, saltando para o chão para se juntar aos três naquela dança e uivos que mais parece uma espécie de ritual em honra do cometa que se aproxima.
Um camião que se dirige às docas passa por eles e buzina, eles saúdam o camionista com manguitos e muitos nomes.



Nota: O pronome pessoal “ele” outros pronomes estão em letra maiúscula para identificar a personagem principal das outras personagens que também podem ser identificadas por pronomes.



"E temos ainda mais firme a palavra profética à qual bem fazeis em estar atentos, como a uma candeia que alumia em lugar escuro, até que o dia amanheça e Lúcifer surja em vossos corações" (II Pedro 1:19)

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